terça-feira, 18 de agosto de 2009

Sobre olhos e olhares

"Fique de costas e feche os olhos", eles disseram. Virei, mas confesso que continuei com os olhos arregalados. Pelo reflexo da janela, pude ver que os dois seguravam uma tela enorme, que estava virada para a parede. Rapidamente fui repreendida. "Ah não, ela está olhando! Fecha logo esses olhos, Palô!". Desta vez obedeci, e nos dois ou três segundos seguintes - tempo suficiente para que virassem o quadro em minha direção - especulei sobre absolutamente tudo o que poderia ter sido registrado ali, naquela enorme tela. Já faz muito tempo que frequento o lar, doce lar deste casal de amigos tão queridos. Sempre que chego, ela está cortando, costurando ou bordando alguma peça nova para sua grife Maria Preta (que há alguns anos domina 95% do espaço do meu guarda-roupas) e ele está pintando alguma tela que eu invariavelmente faço questão de admirar. Das últimas vezes em que havia estado na casa, ele pintava vários quadros sobre jazz. Por este motivo, meu palpite inicial e silencioso foi justamente em alguma obra da série musical já conhecida. De repente, caiu a ficha: me lembrei da brincadeira tola que havia feito em alguma dessas visitinhas anteriores. "Quando você vai me dar uma de presente, hein?". Pausa para uma meteórica enxurrada de autocríticas. "Ai meu Deus, isso não se faz! Que comentário mais de segunda, Paloma. Tá vendo? Ele levou a sério!". Mas a verdade é que naquele momento a curiosidade estava falando muito mais alto do que qualquer tipo de autocensura; por isso, rapidamente voltei às especulações. "Seria uma pintura abstrata? Flores? Pessoas? Uma paisagem?". Respirei fundo e resolvi me virar, ansiosa para desvendar o mistério. Quando abri os olhos, enxerguei exatamente aquilo o que nunca teria me passado pela cabeça, nem que tivesse especulado por horas a fio: era eu quem estava lá, ocupando todo o espaço da enorme tela. O meu rosto, os meus olhos, o meu nariz e minha boca. No mesmo instante, minhas pernas amoleceram. Fiquei atônita - primeiro por me enxergar e me reconhecer ali; segundo por surpreendentemente gostar do que estava enxergando e, por último, como não poderia deixar de ser, por perceber todo o significado daquele presente - forte, intenso e absolutamente inesquecível. Não é fácil olhar para si numa escala tão ampliada, e muito menos imaginar-se "pendurando a si mesmo" numa parede branca. Ao mesmo tempo, fiquei encantada com a interpretação do artista sobre a minha imagem. As cores, as formas, tudo tão estilizado e ao mesmo tempo tão Paloma! Pode parecer exagero agora, distante do momento, mas convenhamos: definitivamente não é todo dia que recebemos algo assim. Pra ser bem honesta, nunca havia experimentado algo parecido. Talvez por isso, logo eu, que me julgo tão íntima das palavras, me peguei sem saber o que dizer e sem compreender as emoções que automaticamente passaram a transbordar de meu peito. Sendo assim, simplesmente permaneci entre o sorrir e o chorar - não por estar diante de um presente que, é fato, me acompanhará até os últimos dias da minha vida, mas por já me imaginar num futuro bem distante, contemplando-o quietinha da cadeira de balanço, com os olhos marejados de saudade dos meus vinte e poucos anos.

Artista: Milton Tolosa. Óleo sobre tela, 2009.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Seja como for, a vida é um presente

'Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é
ainda vai nos levar além'.
Paulo Leminski

Quando eu era pequena, achava que aos 28 anos eu seria mais do que gente grande: seria forte, independente, bem-resolvida e super poderosa. Já teria marido, filhos, casa, carro, gato e cachorro; já seria uma profissional muito respeitada e requisitada; já teria desbravado o mundo em viagens emocionantes e passaria todos os meus dias esbanjando sorrisos e suspiros por finalmente ser uma mulher-maravilha. Hoje, olhando para a minha vida neste exato momento, vejo quão ingênua e romântica foi a minha criança ao sonhar com o meu próprio futuro. Porque na infância a gente costuma acreditar que existe um ápice na vida adulta, com tudo perfeito, nos trinques, e é só lá na frente, muito tempo depois, quando estamos diante de um espelho e nos olhamos nos próprios olhos, que nos damos conta de que os anos simplesmente passaram e que a gente continua tendo um enorme caminho a percorrer. Caminho repleto de flores, sim, mas também de surpresas, desafios, tropeços e recomeços. Eu não sou a Paloma que imaginava que seria quando posei para a foto ao lado, mas nem por isso sou menos feliz. E agradeço à vida hoje, dia em que completo 28 anos, por estar exatamente aqui - e por ser exatamente quem eu sou.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O samba da segunda

Depois de um branco total radiante, vou puxar a fila de novos posts, trazendo um Quiz GS de primeira com o músico, compositor e amigo Jean Garfunkel. Jean fez músicas pra muita gente de primeira, como Elis Regina. Uma delas, "Não vale a pena", foi regravada por Maria Rita em seu primeiro CD. Atualmente, o músico tem um projeto superbacana, o Canto Livro, que mistura música e literatura, com textos de Guimarães Rosa, Jorge Amado, Manuel Bandeira e outros bambas. Daí que, numa reuniãozinha caseira, Jean me saiu com essa verdadeira melô da segunda-feira, samba dele em parceira com Mozart Terra. Sob medida para o blog, e para colocar um pouco de humor nessa segunda, enfim, menos cinza...
Com vocês, a segunda-feira segundo Jean Garfunkel:



Minha definição de segunda-feira:
Segunda feira eu começo meu regime
Caí no crime mas vou me regenerar
Eu tô comedo pra dedéo
Eu tô bebendo pra danar
Eu tô no céu
E Deus é que é o dono bar
Já extrapolei ,detonei, me vinguei
Inventei um spa
Tô como eu quero e deram alvará
Tô nem aí
Levantei, recaí, me esqueci de acordar
E se segunda feira eu não pintar
Como é que vai ficar
Na terça feira eu recomeço o meu regime...



Uma receita de primeira, com ingredientes de segunda:
O que sobrou do domingo.

Uma balada de segunda-feira:
Sarau na livraria Casa de Livros toda a primeira segunda do mês.

Parece de segunda, mas é de primeira:
Bar do Biu, rua Cardeal Arcoverde, esquina com João Moura. O melhor baião de dois da cidade.

Parece de primeira, mas é de segunda:
Praça de Alimentação em Shopping.

Uma pessoa de primeira:
Betinho, o Ghandi brasileiro.

Uma atitude de quinta:
Corrupção. Ver o site MUCO, museu da corrupção: http://www.dcomercio.com.br/muco.

Um programa de quinta: 
Faustão.

Um dia em que me senti de segunda:
Sempre me sinto de segunda quando acordo de ressaca, e isso não é muito raro.